Marcas apoiadas pela ciência: uma tendência para ficar

As marcas tiveram que reinventar a forma como elas estruturam sua comunicação. Não é só o formato. É também toda sua narrativa. É sobre “que tipo de história eu conto” e, “como eu sustento tudo isso?”

Houve um tempo em que prometer felicidade ao abrir uma garrafa com líquido duvidoso dentro era o suficiente para construir uma imagem relevante. Era uma época de pouco diálogo entre marcas e consumidores, onde filmes publicitários eram quase monólogos. Você falava, comunicava, gritava. O consumidor ouvia, absorvia (ou não) e vida que segue (quase igual o Brasil na pandemia).

Mas os tempos mudaram. Há um poder maior que nos anos 80. E isso é ótimo.

As marcas tiveram que reinventar a forma como elas estruturam sua comunicação. Não é só o formato. É também toda sua narrativa. É sobre “que tipo de história eu conto” e, principalmente, “como eu sustento tudo isso?”

Se por décadas as marcas se apoiaram na TV para construir suas imagens, agora elas precisam dialogar com as pessoas no tiktok, criar conteúdo relevante, humanizar e gerar atendimento eficiente e relacionamento verdadeiro, participar positivamente de assuntos socioculturais, investir em uma cultura de inovação (e isso quer dizer se desconstruir todos os dias) e talvez até fazer um podcast. E isso muitas vezes é só o começo.

Com razão, estamos nós, consumidores, muito mais exigentes. Isso quer dizer consumidores mais informados, preocupados com o contexto todo e não só o produto final. Tá, eu sei. Você pode me dizer que ainda é uma utopia e só queremos no final ter a última tecnologia em mãos ou postar nos stories nossa conversa com a Alexa. Mas há sim muitas mudanças acontecendo.

Consumidores mais exigentes representam também uma busca por marcas com promessa e entrega mais reais. Isso não quer dizer que você não pode ser uma marca expressiva e simbólica numa sociedade. Sua marca pode conquistar o coração das pessoas com uma narrativa sedutora, que toca diretamente seus inconscientes e as fazem contar suas próprias histórias, suas personalidades e valores também por marcas.

Mas de novo, tudo depende da sustentação. Você sustenta essa comunicação imagética?

Não adianta dizer que é o banco mais disruptivo e que está quebrando as velhas estruturas de uma categoria conservadora, mas não ter um papel social consistente em suas políticas internas e, consequentemente, não ter um discurso que valide isso na voz de sua CEO. É só um exemplo, o que fica é: sua narrativa é concretizada vivida com relevância para todos os seus públicos? Seu produto entrega com muita verdade tudo que promete?

O que mudou no branding e mundo das marcas?

São muitos os movimentos que nos trouxeram até aqui. Por exemplo, se pegarmos a ideia do começo deste post, poucas discussões existiam na década de 80 sobre alimentação saudável e na associação dos produtos industrializados às doenças crônicas que mais matam no mundo. Então “abra a felicidade” da Coca-Cola era uma narrativa otimista bem mais difícil de ser confrontada. Mas quando surgem dezenas de movimentos em busca de uma alimentação mais saudável e com menos industrializados cheios de açúcar, a marca precisa contar sua história por outras perspectivas. Ainda dá pra usar o otimismo como essência, mas com histórias diferentes como as apoiadas pelo “taste the feeling”.

Podemos até prometer em nossas narrativas símbolos importantes para as pessoas expressarem suas personalidades como aventura, diversão, liberdade, sofisticação, otimismo e segurança, mas não há espaço para promessas vazias.

E em nossa sociedade pós-moderna, existe um peso maior do que há algumas décadas em relação a proposta de valor e benefícios funcionais e técnicos. Isso gerou um movimento de marcas que buscam a validação de suas promessas em um outro patamar: a ciência.

De promessas vazias a marcas apoiadas pela ciência?

Será que estamos partindo de um modelo apoiado na comunicação e promessa para um espectro totalmente oposto onde marcas terão que se fundamentar na ciência?

Se por um lado temos a proliferação das fake news, criando uma sociedade onde fatos objetivos têm menos influência em moldar a opinião pública do que apelos à emoção e crenças pessoais, por outro estamos buscando endosso científico, que é também um dos efeitos da pandemia.

Este artigo da Wunderman Thompson vem de encontro a esse movimento, mostrando como o foco maior na saúde está reorganizando a hierarquia de prioridades do consumidor.

O artigo mostra como os consumidores estão investindo cada vez mais em ofertas endossadas por dados comprovados cientificamente. 89% dos americanos colocam sua confiança em na ciência médica, e aqueles que relatam uma grande confiança nesta ciência aumentou de 35% antes do surto para 43% em abril, de acordo com descobertas do Pew Research Center .”

A Cerebelly é um exemplo deste movimento, uma marca de comida para bebês criada por um neurocirurgião para ajudar no desenvolvimento do cérebro na primeira infância. Toda sua comunicação é baseada numa narrativa do arquétipo do sábio, uma expressão que se apoia no conhecimento científico e uma comunicação que garante ser "a mais inteligente". A marca teve um crescimento de 1.000% na receita desde o lançamento em outubro de 2019.

E o que podemos levar como aprendizado para nossas marcas? Acredito bastante em um equilíbrio. Não é preciso estar apenas em um dos polos, nem sei se seria possível pensando em uma marca com forte expressão. Mesmo porque não é proibido contar uma história que vá além do benefício funcional . Você pode sim contar histórias que toquem corações e imaginários, como a magia da Disney, a disrupção e quebra do status quo do Nubank, o status jovem e singular da Heineken, a rebeldia da Virgin ou a verdade e pertencimento do Airbnb. Mas precisamos realizar entregas concretas nos pontos de contato e, principalmente, em nossos produtos. Veja a ideia no modelo abaixo:

A Cerebelly promete comidas essências para o cérebro do bebê.

Marcas são agentes importantes na sociedade, por isso, como estrategistas, comunicólogos, jornalistas, designers, precisamos cada vez mais nos preocuparmos com nossa atuação. Só assim teremos mercados mais sustentáveis e marcas mais humanas.