Religião, marcas e pertencimento: uma revisão dos aprendizados de brandsense

Como o produto muda ou impacta a vida das pessoas e gerar espaços para conversas reais sobre os macrotemas que você aborda são os pilares do pertencimento de marca.

Veja como são as coisas.

Eu li pela primeira vez o livro “brandsense” de Martin Lindstrom quando eu tinha 19 anos, isso foi em 2009. Foi paixão à primeira leitura. Eu trabalhava em uma agência de design na época e minha primeira ação pós leitura foi conversar com meu amigo e dono da empresa. “Cara, a gente precisa colocar isso em nossa metodologia”. Fizemos algumas ações iniciais, mas não avançamos muito.

Alguns anos depois, já trabalhando com minha própria consultoria, inclui o brandsense em meu método já evoluindo à identidade sensorial.

Sempre achei incrível o poder de uma marca contar histórias, expressar identidade e fazer sentido na cultura e para as pessoas. O brandsense fazia tudo isso sensorialmente e mostrava que era possível estimular sentidos para criar conexões extremamente emocionais e profundas já com simples ações.

Lembro que em um dos meus primeiros projetos solo para um tradicional colégio de São Paulo, incluímos bolinho de chuva na reunião de pais porque a marca tinha uma essência nostálgica e hereditária, e nós também queríamos que naquele ponto de contato morno houvesse vida.

Ao longos dos anos fomos criando então diretrizes para óleos essenciais, sabores, textura, trilha sonora, locução… sempre com esse objetivo de contar sensorialmente o que existe no DNA da marca, mas também criar memórias marcantes e estabelecer ligações emocionais. Mas o que mais existe na obra de Lindstrom em relação a sensorialidade da marca?

O autor foi um pouco além dos cinco sentidos. Em “brandsense”, ele faz uma relação bem conhecida na área sobre marcas e religiões. Lindstrom dizia que era possível gerar um vínculo quase que religioso entre pessoas e marcas. Doideira isso, né? Há 13 anos, no auge dos meus 19, achei genial. Mas, e hoje?

Brandsense e religião

Eu acredito sim ser possível se inspirar em religiões. Mas resolvi reler essa parte do livro para tentar ressignificar o que, na minha visão, precisa ter um olhar bem cauteloso. Isso porque se uma marca ganha a força de uma religião, qual seria o papel dela em nossos relacionamentos, crenças, convivência em sociedade, consumo, entre outros tantos temas relevantes para o bem-estar social? Podemos e devemos aprender com essas diretrizes, mas seria possível fazer com uma relação mais saudável marcas-pessoas-sociedade? :)

O autor de “brandsense” descreveu 10 regras do branding sensorial como componentes que sustentam as religiões e que poderiam servir como um modelo ao branding:

  1. Sensação de Pertença

  2. Visão Clara

  3. Inimigos

  4. Evangelização

  5. Grandiosidade

  6. Contar histórias

  7. Apelo sensorial

  8. Rituais

  9. Símbolos

  10. Mistério

Vou dividir esses tópicos para podermos aprofundar sem um e-mail tão absurdo de grande. Vamos então a essas “regras” com um olhar atual? Hoje falarei de uma delas: Sensação de Pertença.

Sensação de Pertencimento

“As religiões oferecem uma sensação de vínculo.” É assim que Lindstrom começa sua explicação da primeira relação das marcas e as religiões. E ele está certo. Pertencer é um indicador importantíssimo para construir marcas fortes.

Quando você se sente parte de algo ou de um lugar, você vive o que você é da forma mais verdadeira possível, compartilha e contribui pensando no bem coletivo e está criando conexões verdadeiras com a comunidade. Pertencer é sobrevivência.

O encontro com quem compartilha com você ideais e aspirações, torna a vida mais fácil e ou até mesmo possível.

Nas religiões, pertencer não é só ter valores comuns, mas celebrar e lamentar os mesmos eventos. Você vive intensamente as experiências junto com os outros integrantes do grupo. Sente-se seguro para expor suas emoções e sentimentos, compartilhar suas falhas e acertos, e claro, neste contexto, expor sua fé.

Encontramos esse conceito em toda sociedade e, quase sempre, há semelhanças com as religiões, vejam dois desses exemplos:

  • As torcidas de reality viram madrugadas para votar em seu participante favorito. Mas eles não fazem isso somente por seu fav. É porque eles se sentem parte. A “padaria do Arthur Aguiar” do BBB22 que o diga. Eu acompanhei bastante o twitter nas votações e é surreal como as pessoas se unem e votam juntas, formando uma grande equipe.

  • Dentre esses exemplos, preciso contar minha experiência pra você. Me mudei para uma casa no meio do ano passado e pude fazer algo que o apartamento não me deixava: plantar (você precisa ver como está meu pé de couve). Mas saiba que plantar, mesmo se for em pequena escala e em vasos, é extremamente difícil e complexo. Não é só jogar a semente, é sol, chuva, adubação, praga, e por aí vai. Buscando um lugar para tirar dúvidas, voltei ao velho facebook e encontrei um grupo perfeito por lá. Postei uma foto com uma dúvida e em poucos dias tinham quase duzentas curtidas e dezenas de comentários me ajudando. Eu achei isso incrível. Eu passo um bom tempo agora lendo comentários em postagens aleatórias e dando uma olhada nas hortinhas dos amigos. Eu me sinto parte. Ninguém ganha nada ao ajudar o outro, mas há um sentimento de crescimento mútuo. Estão todos lá por um objetivo e valores compartilhados.

Para o branding, este tema surge com força no início dos anos 2000 movido por marcas como Apple e Harley Davidson. Mas pertencer foi parte importante do brand equity desde os estudos de Kevin Keller e David Aaker, por exemplo, dois dos precursores do branding.

Quando olhamos a pirâmide de equity de Keller, que basicamente explica a força da marca por meio de alguns indicadores, o pertencer já fazia parte da “imagem” da marca. Em uma pesquisa de valor intangível de marca elaborada pelo autor, algumas perguntas base nos ajudam a compreender de forma prática o pertencimento na construção e gestão. Eu as redigi para que você pudesse testá-las, primeiramente, com uma marca que gosta. Mas você também pode fazer essas 4 perguntas para seus clientes (como em um nível de intensidade de 1 a 5, por exemplo), isso dará um bom panorama do quanto seus clientes “sentem pertencimento”

  • Você admira e respeita as pessoas que usam esta marca?

  • Você gosta das pessoas que usam esta marca?

  • Você sente como se você e outros usuários da marca fizessem parte de um grupo?

  • Você sente que essa marca é usada por “pessoas como você?”


Não é uma tarefa fácil criar comunidades engajadas como as torcidas de reality e até mesmo os grupos de horta urbana que eu participo. Quando se fala de marca, o papo muda.

Compartilhar um propósito que vai além do produto, entender que as pessoas não querem necessariamente falar do seu produto e sim em como o produto muda ou impacta suas vidas, gerar espaços para conversas reais sobre os macrotemas que você aborda, são algumas dicas para começar a pensar sobre isso.

Pertencimento no branding

Comece pela empatia

Outro ponto a seu favor é buscar a qualidade ao invés da quantidade. Seth Godin diz em seu livro “This is marketing”: Comece pela empatia de ver uma necessidade real. Não uma inventada. A pergunta não é “Como posso começar um negócio?”, mas sim, “O que importa aqui?” Foque o menor mercado viável: “Como poucas pessoas poderiam achar isso indispensável e ainda assim valer a pena fazer?”

Combine a cosmovisão das pessoas que estão sendo servidas. Ofereça ao mundo uma história que ele quer ouvir, contada em uma língua que ele entenderá.

Mas antes de terminar esse artigo, eu preciso compartilhar um pensamento talvez impopular: quando for construir uma comunidade, seja mais o grupo da hortinha do que as torcidas de reality. Como estrategista, eu não tenho a intenção de criar uma rede obcecada por uma grande meta que pode desestabilizar você ou outro com discussões calorosas. Pertencer não é sobre ataques a outras visões, e sim o seu crescimento dentro do seu universo de valores compartilhados. E a busca deste sentimento para uma marca em relação ao seu consumo pode ser menos religiosa e mais focada no bem-estar social. Será que há necessidade de uma busca por um consumo (também obcecado) que apenas objetiva parecer algo ou alguém? Eu acredito que marcas mais humanas visam um ecossistema mais saudável e menos idealizador.

Nas próximas news vou abordar os outros tópicos de Lindstrom e isso poderá te ajudar a construir mais pertencimento para sua marca. Até a próxima!